sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Nada além de problemas

Dilma VI Para a surpresa dos aliados, e até dos adversários, com menos de um mês de instalada no terceiro andar do Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff, a cada dia, demonstra para o que veio. Ao contrário da expectativa que predominava antes e durante a campanha eleitoral, ela não está sendo monitorada, nem permitiria que o fosse, pelo seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, que a levou a ascender ao poder, sem que ela cogitasse o upgrade, passando de ministra para o posto máximo do Executivo, chefiando o governo nos próximos quatro anos. Quem a conhece muito bem não se surpreende, porque ela não abre mão das suas convicções, e uma delas é a de fazer o que acha certo.

Alguns líderes da o-posição, que conversam sobre o desempenho de Dilma e sua independência com relação ao seu antecessor, observam e até elogiam sua postura, mas evitam tornar público esse traço administrativo da presidente, que, para eles, daria continuidade ao governo de Lula, mantendo praticamente a sua equipe e seguindo a sua orientação. Não é nada disso o que está acontecendo, muito pelo contrário. Tanto é assim que o ex-presidente já se manifestou nesse sentido em São Bernardo do Campo (SP). Lula vem recebendo visitas de ex-integrantes de sua equipe, e muitos confirmam que ela não está fazendo o que eles acreditavam que ela faria, como manter algumas das iniciativas administrativas de seu padrinho político.

Nada disso. A presidente, como já se esperava, pelo seu estilo pão, pão, queijo, queijo, deu uma demonstração bem emblemática de que a caneta é sua e está com o tambor cheio de tinta, para tomar suas decisões, mesmo que frustre ou decepcione Lula, de quem reconhece as virtudes e mantém a sua gratidão. Mas, mesmo assim, ela não irá dividir jamais as decisões do poder, que são da sua responsabilidade, e disso não abrirá mão, sob qualquer hipótese. Pode até ouvir sugestões, que serão analisadas, mas jamais imposições, sejam de que nível elas forem.

A impressão de que Lula teria forte influência na presidente que elegeu, funcionando como uma extensão de seus dois governos, começou a ser desmontada na noite do domingo passado, quando ela, voltando de Porto Alegre (RS), onde foi passar o fim de semana com a filha, surpreendentemente resolveu fazer uma escala na Base Aérea de São Paulo. Na ocasião, Dilma Rousseff convidou o ex-presidente para uma conversa privada, o que causou muita curiosidade, razão pela qual o encontro foi registrado pe-la mídia no final da tarde. O fato de Lula ir ao seu encontro demonstra que muita coisa mudou, inclusive protocolarmente.

Logicamente, as especulações se multiplicavam em torno do encontro do ex com a atual presidente. Só no dia seguinte se soube qual foi o objetivo da conversa que ela tivera com Lula. Para a surpresa dele, a escala em São Paulo era para que Dilma pudesse lhe comunicar uma decisão inusitada: a suspensão da escolha dos caças de combate Rafale para a Força Aérea Brasileira (FAB), que praticamente já havia sido definida, da francesa Dassault Aviation. O próprio Lula e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, já tinham batido o martelo juntamente com o presidente francês, Nicolas Sarkozy, que chegou a vir ao Brasil, para assistir à comemoração do Sete de Setembro em 2009.

O ex-presidente engoliu sem digerir o que ouviu de Dilma: a decisão de rever o processo de compra dos caças diante da forte pressão internacional, para a qual ele dava pouca importância, tendo-se em vista o ranger de dentes dos países que ficariam de fora da concorrência. Pragmática, a presidente fez o que tinha de fazer: abriu espaço para os demais países interessados em uma disputa, o que significa muitos bilhões de dólares.

Lula, que era favorável à compra dos caças franceses, começou a sair dessa disputa, deixando a decisão final para a sua sucessora, embora o ministro da Defesa tenha insistido no argumento de que o Rafale era a melhor opção para a FAB, dando como certo que Dilma faria essa escolha no primeiro semestre de seu governo. Ou Jobim estava desinformado ou simplesmente deu um tiro errado.

Tanto Lula como Jobim foram estimu-lados pelos franceses com a promessa de que a compra do Rafale acarretava também o compromisso de transferência de toda a tecnologia de produção dos caças. Disparando na disputa, a Dassault já comemorava a conquista da compra, ignorando que os concorrentes estavam ativos e de prontidão, como também o fato de que Dilma iria decidir o caso de maneira pragmática. Continuavam, então, no páreo duas empresas: a Boeing, americana, com os F-18 Super Hornet, e também a sueca Saab, que o tempo todo insistia pela compra de seu caça Gripen NG, com a possibilidade de que os russos também entrassem na concorrência, que ainda está aberta para novas propostas de outras empresas.

Uma semana antes de tomar a decisão de escolher os caças para a FAB, a presidente Dilma Rousseff recebeu o senador americano John McCain, do Partido Republicano, que lhe pediu apenas para considerar a oferta encaminhada pela Boeing na primeira etapa do processo de compra, assumindo o mesmo compromisso da Dassault, de transferência da tecnologia para o Brasil, proposta que empatava as condições de disputa das concorrentes. Político experiente, McCain, que pleiteou a conquista eleitoral da Casa Branca com Ba-rack Obama, saiu do encontro com Dilma muito empolgado, porque percebeu que já não encontrava a porta fechada, como parecia antes, quando a Dassault já era considerada vitoriosa. Não ouviu não, nem sim, mas já era alguma coisa.

Os americanos ficaram tão empolgados com a mudança de opinião do Palácio do Planalto que despacharam rapidamente, para Brasília, Ray Mabus, secretário da Marinha, cujo cargo é equivalente ao de ministro. Mabus veio para ter um encontro com o ministro Nelson Jobim. O recado que o americano passou foi simples, mas interessante: a Boeing leva uma grande vantagem sobre o Rafale, a partir do maior uso de biocombustível, que é utilizado pelo sistema de defesa americano. O secretário expôs a Jobim outro benefício, além de manter a proposta encaminhada em 2009: a permissão de que, até 2020, metade da força da Marinha – cujo orçamento anual é de US$ 150 bilhões e que possui 900 mil militares – seja movida por energia renovável. Ray Mabus foi adiante: “Se o F-18 for escolhido aqui, ele vai dividir a pesquisa e as aplicações práticas dos biocombustíveis. E eu quero dizer que a nossa relação de defesa com o Brasil é muito maior do que a compra de caças”.

Ocorre que os franceses continuam na corrida, como sinalizava na terça-feira passada a ministra da Economia e das Finanças da França, Christine Lagarde, que afirmou aos concorrentes: “Fizemos um enorme trabalho. Espero que os frutos desse trabalho sejam levados em consideração pela nova presidente. Achamos legítimo que ela possa reexaminar novos dossiês e que possa afirmar a sua autoridade”.

De olhos bem abertos para a contabilidade fiscal, pelo sim, pelo não, Dilma chegou à conclusão de que o melhor mesmo é deixar a decisão da compra dos caças para depois, provavelmente para 2012. A medida faz todo o sentido, em especial porque a presidente leva em conta a previsão de que terá de cortar mais de R$ 40 bilhões no orçamento da União, considerando também a tragédia das chuvas no Rio de Janeiro. Durante a reunião que ela promoveu com seus ministros, na sexta-feira, dia 14, Guido Mantega, da Fazenda, salientou que o governo tem mesmo que reduzir os gastos de custeio para que o país continue com crescimento sustentável, porque só assim poderá estimular os investimentos e a queda de juros. Mantega afirmou: “Agora que a economia está consolidada, temos de fazer um esforço de redução desses gastos, de modo que as contas públicas continuem sólidas e equilibradas e [para] que possamos preencher os objetivos de superávit primário e redução da dívida versus PIB”.

Sendo assim, os 32 caças, que ficariam por R$ 10 bilhões, podem ficar para depois, porque a prioridade do governo é a estabilidade da economia. Em sua primeira reunião no Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), a presidente ouviu uma notícia desagradável: a taxa básica de juros empinou 0,5 pontos percentuais, para 11,25%, cuja perfeita tradução diz que é sinal de uma evolução da inflação. O comitê constatou que o índice oficial foi além do registrado no ano passado, próximo de 6%, o que equivale a dizer que é maior do que a meta fixada, que seria de 4,5%, estabelecida pelo governo. Depois da reunião, o Copom divulgou uma nota segundo a qual a elevação deflagrou o início de um processo de ajuste da taxa básica de juros, cujos efeitos, somados aos de ações macroprudenciais, contribuirão para que a inflação “convirja para a trajetória de metas”.

Os empresários e líderes sindicalistas, como sempre, criti-caram o aumento da elevação da Selic, fazendo a leitura de que o governo de Dilma e o ano de 2011 estão começando muito mal. Segundo o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, a alta de 0,5 pontos percentuais significa um erro, porque irá fazer o governo federal gastar R$ 200 bilhões em juros. O empresário até ressalta: “Isso é um absurdo. Com esse dinheiro, poderíamos viabilizar a construção de mais de 390 mil casas pelo programa ‘Minha Casa, Minha Vida’ ou até dois terços de todo o orçamento anual do Bolsa Família”.

Na primeira reunião com seus ministros na sexta-feira, dia 14, Dilma Rousseff deixou evidente o seu comando da situação, ao falar bem claro que não admitirá que eles exponham divergências. Ela foi bem explícita, no melhor estilo de “manda quem pode, obedece quem tem juízo”: “Nós somos uma equipe. Temos que manter a unidade e a solidariedade entre os ministros. Não é adequada uma discussão pública sobre divergências. As discussões são bem-vindas, mas internamente. Todos devem esgotar suas posições, mas que façam isso internamente”.

A preocupação principal da presidente é conter as despesas do governo, para não agravar a economia do país, que já sinaliza o perigo com luz vermelha, caso a situação não seja bem administrada. Dilma está atenta e de prontidão em tempo integral, porque se houver um controle rigoroso, por parte do governo, se evitará o pior: a volta do dragão inflacionário. Hipótese que, aliás, os brasileiros não querem cogitar nem mesmo em pesadelo. Por tal razão, o ministro Guido Mantega terá de se desdobrar para evitar que isso aconteça logo nos primeiros meses de sua administração. Até porque se sabe como uma inflação começa, mas dificilmente quando termina.

Mantega, que tem a confiança da sua chefe, relacionou algumas medidas para garantir a solidez fiscal, como também a continuidade e a expansão dos investimentos, a redução dos juros, além da contenção de gastos provocados por projetos em trâmite no Congresso Nacional. Quanto a isso, Mantega não deixa de avisar que não se trata apenas de um ajuste fiscal clássico, capaz de causar desemprego, recessão e até redução de investimento. Para ele, é preciso racionalizar as despesas com o aumento da eficiência no gasto.

Uma revisão elaborada pelo Ministério da Fazenda sobre a projeção para a taxa de investimento da economia apurou que em 2010, no fechamento do ano, por exemplo, ela chegou a 19% do PIB. Já o cenário previsto para 2014 deverá ser o indicador de 24,1% do PIB, ou seja, um percentual 2,6 superior à previsão oficial da segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2), que o governo passado lançou no começo de 2010.

Não é por acaso que o ministro da Fazenda afirma que investimento é muito importante para o país, acrescentando que o nível de investimento de 19% do PIB significa crescimento, mas mesmo assim é insuficiente, e a sua determinação será aumentá-lo a cada ano.

Na quinta-feira, Dilma Rousseff não gostou nada de saber que o ministro da Educação, Fernando Haddad, estava pronto para sair de férias no sábado, logo agora que a sua pasta está na berlinda diante de um grave problema: o caos instalado nas inscrições no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que vem afetando milhares de estudantes em todo o país. Se dependesse de Haddad, ele já estaria à beira-mar descansando e deixando o “abacaxi” para seus assessores cortarem. Após pressões do governo, Haddad resolveu adiar em apenas 48h o descanso, que será na segunda-feira, justamente no mesmo dia em que o Sisu irá revelar a lista dos candidatos que foram aprovados para conquistar vaga no curso superior em primeira opção. Tanta movimentação trouxe problemas ao sistema, tendo em vista que as matrículas vêm sendo feitas para nada menos do que 83 institutos tecnológicos e universidades, que fazem a triagem dos candidatos selecionados a partir do sistema, com base nas notas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

A permanência do ministro nesta fase seria imprescindível, se ele não estivesse priorizando suas férias, que poderiam ser adiadas depois que tudo fosse resolvido, até porque, no Rio de Janeiro, o Tribunal Regional Federal, na quarta-feira, já tinha concedido a primeira liminar para novo exame de provas do Enem, cujas redações haviam sido anuladas. O juiz da 14ª Vara, Adriano Saldanha Gomes de Oliveira, estabeleceu o prazo de cinco dias até que a prova fosse apresentada à estudante em questão, “sob pena de caracterização do crime de desobediência judicial do destinatário da intimação”, ou seja, um funcionário do Ministério da Educação.

Deixar Brasília diante de um problema desse é uma postura semelhante à tomada por um capitão que larga o navio quando colide com um pequeno iceberg.

Dilma, com certeza, não concorda com isso.

 

Fonte: Brasilia em dia

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