quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

STF tira mandato de deputados confrontando Câmara


Supremo reunido: para Celso de Mello, descumprir decisão seria agir de modo "esdrúxulo, arbitrário e inconstitucional"
Na última sessão do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a perda do mandato dos três deputados federais que foram condenados no processo: João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT).
A decisão deve gerar um conflito com a Câmara, cujo presidente, Marco Maia (PT-RS), defende que a palavra final sobre os mandatos deve ser da Casa Legislativa por ser, segundo ele, um Poder independente do Judiciário.
Pelo entendimento do STF, os três deputados devem se retirar da Câmara assim que a decisão da Corte transitar em julgado. Ou seja, quando não for possível ingressar com novos recursos no Supremo.
Os recursos vão ser propostos pelos advogados dos réus após a publicação do acórdão da decisão. O prazo para essa publicação é de 60 dias contados a partir de ontem. Esse prazo, no entanto, será interrompido durante o recesso do STF, que começa na quinta-feira e termina em 31 de janeiro. Com isso, os recursos devem ser julgados no primeiro semestre de 2013.
O voto decisivo sobre a perda dos mandatos foi proferido pelo decano do tribunal, ministro Celso de Mello, que respondeu diretamente às críticas do presidente da Câmara. Segundo Celso, descumprir decisão do STF seria agir "de modo esdrúxulo, arbitrário e inconstitucional". Seria atuar "em manifesto desacato a uma sentença judicial" e entender que "os seus próprios critérios, a sua deliberação e o seu pensamento devem prevalecer sobre os critérios, a deliberação e o pensamento da Suprema Corte", continuou Celso.
O decano do STF também lamentou as "reações corporativas" na Câmara que levam os parlamentares a se apoiar mutuamente e a defender os mandatos uns dos outros mesmo nos casos de condenações criminais. "Reações corporativas e suscetibilidades partidárias associadas a um equivocado espírito de solidariedade não podem justificar afirmações politicamente irresponsáveis e juridicamente inaceitáveis de que não se cumprirá uma decisão do STF revestida de legitimidade", afirmou o ministro. "As partes interessadas sempre se poderão valer dos meios processuais aos interessados na matéria", completou, referindo-se às possibilidades de os réus entrarem com recursos.
Com o voto de Celso, o placar no Supremo ficou em cinco votos a favor da perda de mandato de Costa Neto e de Henry contra quatro votos dizendo que é palavra final deveria ser a da Câmara. Já no caso de João Paulo, o placar final foi de seis votos a quatro. A diferença nos placares se deu por conta do voto do ministro Cezar Peluso. Ele participou apenas do julgamento de João Paulo, no qual foi o primeiro a defender a perda do mandato de um deputado condenado criminalmente. Peluso não votou nos casos de Costa Neto e de Henry, pois este aposentou, em 3 de setembro, quando o julgamento do mensalão ainda estava em fase inicial.
A perda dos mandatos foi determinada a partir de uma divisão entre os votos do ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF e relator do mensalão, e do ministro Ricardo Lewandowski, revisor do mensalão e vice-presidente da Corte.
Barbosa defendeu a tese de que a última palavra em termos de perda de mandato, nos casos de condenação criminal, é do STF. "A Constituição fala em perda de mandato e essa perda decorre da cassação dos direitos políticos", argumentou o relator.
Já Lewandowski defendeu que o poder de decidir sobre mandatos é do Legislativo. "Nós não podemos cassar o mandato, pois nos restringimos a um pronunciamento jurisdicional. O pronunciamento político cabe ao Congresso Nacional", diferenciou o revisor. Segundo Lewandowski, o deputado condenado no mensalão poderia, em tese, "cumprir a pena de prisão e voltar ao Parlamento". Ou seja, poderia ser deputado e preso ao mesmo tempo.
Os ministros José Antonio Dias Toffoli, Rosa Weber e Cármen Lúcia Antunes Rocha seguiram o voto de Lewandowski. Já Luiz Fux, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello acompanharam o voto de Barbosa, formando a maioria na Corte.
No julgamento, o STF definiu ainda as hipóteses em que a perda de mandato deve ser analisada pela Câmara. Segundo Celso de Mello, nos casos de condenação de parlamentares por improbidade administrativa e por crimes acima de quatro anos de prisão, a decisão da Justiça pela perda de mandato deve prevalecer. Já nos casos de crimes de menor porte, como brigas de trânsito, cabe ao Congresso a análise sobre a perda ou não do mandato.
O decano do STF ainda fez uma advertência à Câmara ao qualificar como crime de prevaricação o descumprimento de decisões do Supremo. "Não se pode minimizar o papel do STF e de suas decisões e não pode estar isento de dolo aquele que não cumprir a ordem do magistrado", disse. O ministro ressaltou ainda que "não seria possível, nem concebível, que autoridades qualificadas pela alta posição institucional que ostentam na estrutura de poder da República possam descumprir pura e simplesmente uma decisão irrecorrível do STF".
Além da perda do mandato aos três deputados, o STF declarou a perda de direitos políticos dos 25 réus condenados no mensalão.
Autor: Valor Econômico